Amor Complacente e Benevolente
- 10 de set. de 2016
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COMO AMAR SEGUNDO ÀS ESCRITURAS?
O tema mais discutido no mundo é o amor. Sabemos que o amor é algo que devemos a Deus e aos outros e que, mesmo sabendo disso, não pagamos. Amar a Deus é “fácil”. Praticamente ninguém, com exceção de alguns grupos ousará dizer que não ama a Deus. A dificuldade maior no que tange o amor é quando este deve ser aplicado ao nosso semelhante. Pois, neste caso, o amor não está relacionado com o sentimento em si, mas com “quem é o próximo”, afinal sabemos que é fácil amar um amigo chegado, os pais e até mesmo algumas pessoas com quem fomos criados.
Mas se o próximo for alguém que está ligado aos meus vínculos afetivos, então é fácil amar. E quando o próximo é alguém distante ou que fez um mal à uma pessoa querida minha? Como conviver com ela? Como encará-la? Como amar esta pessoa?
Nesta reflexão, quero chamar a você, leitor, para meditar sobre dois tipos de manifestações do amor: A complacência e a benevolência.
Antes de tudo, precisamos conhecer a fonte de toda a espécie de amor. E esta é Deus (1Jo 4.8). Quando Deus criou o homem, diferente dos anjos e demais criaturas, Ele o dotou de Sua “imagem e semelhança” (Gn 1.26-27). Primeiro devemos conhecer quem Deus é para, então, sabermos quem somos –ou quem deveríamos ser. A Confissão de Fé de Westminster foi feliz ao dizer algo a respeito da pessoa de Deus:
“I. Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições. Ele é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, - onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado. ” ¹
Sendo Deus quem é, apenas faremos uma dicotomia dos seus atributos entre Comunicáveis e Incomunicáveis. Os atributos incomunicáveis de Deus são aqueles que nenhum ser pode ter a não ser Ele mesmo, a saber:
Onipresença;
Onisciência;
Onipotência;
Imutabilidade;
Eternidade.
Já os atributos comunicáveis, Ele compartilhou com as suas criaturas, tais como:
Amor;
Justiça;
Capacidade de vontade;
Misericórdia, etc.
Quando Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, Ele o criou dotado da capacidade de refletir o Seu caráter. Um dos traços do caráter de Deus que foi compartilhado com o homem foi justamente o amor. Contudo, após a queda do homem (Gn 3.6-7) algo aconteceu. O homem manchou as suas faculdades e o amor não ficou ileso.
Ao invés de amar, o homem passa a ser violento (Gn 4.6, 8; 6.11-12) e o amor não é mais uma das virtudes essenciais do homem. Com isso, toda a ética que fora criada no Éden foi corrompida junto com o amor. Agora as dificuldades dos homens em relacionarem-se uns com os outros atenuam e passam a ser mais difíceis, senão quase que impossíveis.
AMOR COMPLACENTE
O amor complacente “é exercido para com um objeto digno, no qual excelências são percebidas. É da natureza desse amor o belo, o bom ou o útil em nós. Ele considera com complacência ou aprovação, pois há no objeto algo digno de tal consideração. ”²
Neste amor, como é explicado por Boyce, tudo está relacionado com a dignidade ou caráter belo daquele a quem direcionamos este amor. Este é o amor que se deleita no objeto contemplado. Amor este que fica muito bem entendido na declaração que Deus faz a Jesus no dia de seu batismo (Mt 3.17)
AMOR BENEVOLENTE
Já o amor benevolente é uma manifestação diferente. O amor benevolente, como nos explica Boyce, “corresponde à ideia da bondade [...] para com” todos. Essa espécie de amor é bem apresentada por Cristo a respeito do fato de Deus fazer “nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.45).
Quando as Escrituras nos chamam ao amor, é claro que ela nos chama para amar a todos (Lv 19.18; Mt 22.39). Contudo, ela nos chama a atenção para como devemos aplicar este amor àqueles que nos rodeiam, pois Deus também faz esta distinção de amores quando o aplica às suas Criaturas.
EXEMPLO DE AMOR BENEVOLENTE
No relato de Gênesis 21.8-21, quando Isaque é desmamado, Sara percebe que Ismael caçoava de Isaque e pede para que Abraão mande embora seu filho mais velho junto com sua mãe, Agar. Abraão se entristece profundamente, e Deus diz que ele deve ouvir a voz de Sara, sua esposa, e despedir-se de Ismael, seu primogênito. Mas o que nos importa neste relato são os dizeres: “Mas também do filho da serva farei uma grande nação, por ser ele teu descendente” (vs 13).
O fato é que Deus não precisava fazer absolutamente nada com Ismael, visto que Deus tinha planos apenas para Isaque (vs 12b). O que nos prova que Deus usou de amor benevolente para Ismael e amor complacente para Isaque, assim como foi com Jacó e Esaú (Ml 1.2-3; Rm 9.13).
Pois bem, comprovado o fato de que Deus ama de maneiras diferentes suas criaturas apenas pelo uso de sua Soberania e Sabedoria infinita (Rm 11.33-36), precisamos compreender que somos chamados a usar, de maneira sábia, o chamado amor ao próximo.
Do ponto de vista do amor benevolente devemos amar a todos sem distinção. Há vários textos na Santa Escritura que nos provam este fato, mas vamos focar apenas em dois destes, os quais penso que esta ideia está clara e objetiva. O primeiro é encontrado em Mateus 5.43-48, que diz:
“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus”.
Não há nenhuma ordenança na Lei que, expressamente, diga ao povo de Deus a amar seus inimigos, pois segundo Dt 10.18-19 demonstra que, zelosamente, Deus cuida dos “órfãos e das viúvas e ama o estrangeiro.
” E ordenou ao povo de Israel (vs 19) a fazer o mesmo pelos estrangeiros. Contudo, parece que o Salmo 139.21-22 mostra como que o povo de Deus reagia face aos que se opunham ao Senhor: “Não odeio eu, ó Senhor, aqueles que te odeiam, e não me aflijo por causa dos que se levantam contra ti? Odeio-os com ódio perfeito; tenho-os por inimigos”.
Perceba, portanto, que a fala do Senhor Jesus Cristo está alicerçada ao fato de que havia uma predisposição no povo em odiar aqueles que eram seus inimigos, ou seja, aqueles que obstinadamente se opunham ao Senhor. Mas Jesus os ordena amar seus inimigos. Que tipo de amor seria este? O amor complacente que se deleita no objeto de contemplação ou o amor benevolente que ama apenas por saber que o objeto da contemplação é criação de Deus?
Estou certo de que Jesus se refere ao amor benevolente, pois ninguém ama deleitando-se no assassino de seu filho ou o homem que se deitou com sua esposa. Muito pelo contrário, a ira é evidente, e por isso encontramos o mandamento dado pelo apóstolo Paulo: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (Ef 4.26-27). Perceba que a ira existe, tal como a indignação. Apesar deste sentimento existir, não há nenhum chamado na bíblia ao esquecimento. Deus não cobra de nós aquilo que não somos capazes de dar, dado que Ele só cobra certas atitudes daqueles que são seu povo.
O outro texto que faz referência ao amor benevolente que Deus nos chama a ter é o descrito em Romanos 12.17-21:
“A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.”
Perceba o que diz o apóstolo: “se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber”. Ele não diz que o outro deixou de ser inimigo. O que Ele diz é que apesar da inimizade é possível o amor superar isto e suprir a necessidade do outro, pois no pensamento de Deus, ser amigo é uma coisa e amar é outra. Amar é um mandamento. Outra vez pergunto: haveria a possibilidade de haver amor complacente por um inimigo? Não. Contudo há a evidência do amor benevolente no coração daquele que entende que, independente de tudo, o amor é um mandamento e deve ser observado, como diz o apóstolo um pouco mais à frente (Rm 13. 8-10):
“A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor. ”
EXEMPLOS DO AMOR COMPLACENTE
Agora abordaremos o amor complacente. Este amor quando exercido por nós requer total cuidado, isso em razão do fato de que as pessoas pecam, nos ferem e muitas vezes parece que militam a fim de que não as estimemos como deveríamos. Portanto, farei uma dicotomia entre a raça humana, isso deliberadamente.
Para ilustrar o que vou dizer aqui, vou abordar a carta de 1 Coríntios. Havia nesta igreja um problema no tocante à comida sacrificada aos ídolos. O apóstolo trata disso no capítulo 8 desta epístola. Alguns irmãos chamados “fortes” comiam de coisas sacrificadas aos ídolos, pois sabiam que ídolos não existem e não são nada senão invenção humana.
Contudo, os irmãos “fracos” se escandalizavam, pois eram novos na fé e não tinham todo o “conhecimento” que os fortes tinham. O que nos importa nessa história é a seguinte repreensão do apóstolo Paulo: “Porque, se alguém te vir a ti, que és dotado de saber, à mesa, em templo de ídolo, não será a consciência do que é fraco induzida a participar de comidas sacrificadas a ídolos? E assim, por causa do teu saber, perece o teu irmão fraco, pelo qual Cristo morreu.”
O que nos importa neste texto é o conhecimento do fato de que Cristo morreu por pecadores, e pecadores estes que, hoje, compõe a Sua igreja. Quero dividir, portanto, a raça humana em Crentes e Incrédulos. Os incrédulos são aqueles quem não conhecem a Cristo, portanto “nossos inimigos”*. Ao passo que os crentes são nossos irmãos na fé, pelos quais “Cristo morreu”.
Isso tem um peso grande no que tange o amor complacente, pois somos instruídos pela Escritura que “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.25-27). Isso nos ensina duas coisas:
(1) Devemos ter consciência de quem é a igreja;
(2) Portanto, devemos amar a igreja.
Isso é essencialmente importante para conseguirmos aplicar o amor complacente de maneira inteligente e bíblica. Pois nós, enquanto não olharmos pela perspectiva de Cristo, ao olhar para a igreja como “gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” aprendemos que:
(1) As três pessoas da Trindade Santa se deleitam na igreja, de maneira que o Pai a ama (Rm 8.15; Gl 4.6), o Filho a purifica de todo pecado (1Jo 1.9) e o Espírito Santo habita nela (1Co 3.16);
(2) É dever de todo cristão amar a igreja, seus membros e aceitar o chamado ao perdão e à autodoação à igreja, tal como Deus o fez (Jo 13.34,35; 15.12; 17.20,21; At 2.42-47; 4.32-35; 20.28; Rm 12.9,10; 1Co 13.1-7; 16.14; Gl 5.13-15; 6.2; Ef 4.1,2, 15; 5.2; Fp 1.9, 27, 28; Cl 1.4; 3.12-14);
(3) Se tudo isso é verdadeiro, nosso deleite deve estar no deleite de Deus. Portanto, o amor complacente entre os homens só pode existir quando há amor complacente de Deus, caso contrário é pura loucura, afinal ninguém pode sentir prazer em um pecador que não teve seus pecados perdoados por Cristo.
Não quero dizer com isso que o amor complacente não pode ser gozado em alguma extensão em favor de alguém que não seja cristão. Não é isso. O que quero dizer é a complacência, do ponto de vista das demandas de seu significado, não pode existir se o objeto de seu deleite não for tão excelente, ou seja, à altura desta manifestação de amor.
Conclusões práticas: É necessário que aprendamos a fazer uma análise mais crítica a fim de que saibamos amar como deveríamos, sem sermos hipócritas com nós mesmos e tampouco incoerentes com nossa fé. Para isso, precisamos entender tanto a natureza de Deus quanto a nossa . Aprender a usar nossas emoções à luz da razão bíblica é a melhor maneira de blindarmos nossos sentimentos, cumprirmos a vontade de Deus, nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Portanto, aprendamos o que é amor e como usá-lo de maneira sábia a fim de honrar a Deus e vivermos bem com os homens sendo sinceros com nossas próprias afeições.
*Não quero dizer inimigos a quem devemos ódio ou qualquer coisa do tipo apenas por não partilhar a mesma fé, mas aqueles a quem não participam e até mesmo se opõe à fé que nos foi dada.
¹ Confissão de Fé de Westminster / Assembleia de Westminster – 17ª ed. – São Paulo: Cultura Cristã, 2008
² BOYCE, James P. Abstract of Systematic Theology. The Southern Baptist Theological Seminary, 1887
Articulista: Caio Matos
Revisão e Edição: Julia Cruz
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